terça-feira, 26 de setembro de 2017

A panaceia da solidariedade no poder público e a política de Assistência Social brasileira

*Artigo publicado no Jornal "Diário da Manhã", em 02 de março de 2015: http://impresso.dm.com.br/edicao/20150302/pagina/23


Tu, porém, quando deres uma esmola ou ajuda, 
não deixes tua mão esquerda saber 
o que faz a direita...
Quando deres um donativo, 
não toques trombeta diante de ti...”.
Mateus 6:2-3

Solidariedade é questão pessoal. Fundamental em qualquer relação e/ou sociedade. Assistência Social é outra estória. E tem História!
Nos anos de 1960 começou no Brasil e na América Latina, a Reconceituação do Serviço Social, profissão responsável por assistentes sociais, profissionais que deveriam ser responsáveis pela Assistência Social no Brasil, que a declarou, a partir da CF-88, uma política pública de direito e de direitos.
Diferentemente dos anos 1660, quando damas da aristocracia europeia ofereciam ajuda a doentes e pobres, marcando aí a gênese caritativa do trabalho social, a partir de 1960 em um Encontro de Escolas de Serviço Social no Brasil, em Belo Horizonte, o Serviço Social adquiriu ares de engajamento político e compromisso com a transformação social, ainda identificado com o pensamento da Igreja Católica, alinhado com o Movimento de Educação de Base, mas já sob a luz da encíclica Rerum Novarum, que critica a miséria e a pobreza dos trabalhadores, defendendo salários justos e denunciando o capitalismo selvagem e os patrões desumanos.
A partir dos anos 90 no Brasil, o neoliberalismo econômico marcou também a política de Assistência Social ao entender a desigualdade social como um fator positivo e indispensável para impulsionar a competitividade na sociedade, o que é fundamental para o seu desenvolvimento.
O neoliberalismo, que se caracteriza pelo Estado mínimo, reduz as intervenções do Estado no campo social, apela à solidariedade e se apresenta como parceiro da sociedade em suas responsabilidades sociais, através da “mercadorização” dos atendimentos às “necessidades sociais” e da transferência das suas responsabilidades governamentais para as “ong’s”, organizações não governamentais, privatizando os serviços e centralizando poderes no Mercado, que deve suprir, na lógica da mercantilização, as necessidades humanas, vinculadas ao mercado de consumo e não aos direitos humanos, sendo o cidadão visto pela sua capacidade de consumo.
Os direitos sociais cada vez mais passam a ser entendidos como necessidades sociais, no ideário neoliberal, que desloca para a sociedade civil as responsabilidades do Estado, apelando para o discurso da solidariedade e para a ideia de “bem comum”, que esconde por trás dessa concepção a desresponsabilização do Estado, fortalecendo o capitalismo perverso, potencializando as desigualdades em prol do fortalecimento da lógica do modo de acumulação, em detrimento de lutas e conquistas históricas, sociais e políticas.
Com tudo isto, após os intensos movimentos sociais e culturais de 60, 70 e 80, a partir dos anos 90, as expectativas dos movimentos sociais com a transformação social se traduziram nas adesões à dinâmica neoliberal, através das parcerias institucionais, e as ong’s abriram mão da concepção das políticas públicas enquanto direito; a participação nos projetos do governo substituiu as lutas e criticas a sociedade capitalista, a serviço de uma agenda neoliberal. Abandonaram discursos, bandeiras e as práticas transformadoras e têm, ainda, forte cunho assistencialista; a maioria trabalha à revelia das regras e regulações do Suas.
Compreender a Lei do SUAS – Sistema Único de Assistência Social, em vigor no Brasil, e agir de acordo com ela, é promover a participação política, o exercício efetivo da democracia nas instâncias da assistência social e por fim, o exercício da cidadania.
O Suas sabe que a questão não é integrar o indivíduo, pois o indivíduo está integrado, com papel definido no atual contexto da diferença de classes. O papel da Assistência Social deve ser transformador, através da organização das classes trabalhadoras.
A Assistência Social é direito constitucional e, portanto, dever do Estado. A Assistência Social no Brasil deveria ter comando único, isto é, todo trabalho social deveria se orientar de acordo com o Suas, e este, pelas conferências municipais, estaduais e federais.
No Brasil, mesmo os governos considerados de esquerda, mantém a política de Assistência Social no viés imposto nos anos 90, por FHC. As instâncias reguladoras desta política não se posicionam. Contraventores, corruptos, enganadores diversos e pessoas de bem, não politizadas, defendem e praticam a “caridade” através das ong’s, garantindo lugar no céu, recebendo recursos públicos e contrapartidas pessoais e ainda, contribuindo com a reprodução da atual situação de caos social em que nos encontramos com tanta violência e barbaridade, nos campos e nas cidades, impedindo profissionais devidamente preparados para este enfrentamento, de atuarem de forma técnica e eficaz.
E na assistência social oficial, pasmem: Pensa-se que o bacana é “dar o cartão magnético” para o povo comprar, é “dar o bolsa-família”, que tanto criticávamos, é “dar” brinquedo e lanche no Dia das Crianças e no Natal, repetindo o calendário escolar como se isto amenizasse riscos e vulnerabilidades dos outros dias do ano. Ainda, na assistência social brasileira, pessoas “boazinhas ajudam carentes e mais necessitados”...
Muito cruel.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

O TEDx Gyn e alguns aprendizados para um mundo melhor

*Publicado no Jornal Diário da Manhã em 03/02/2015 Participei, em 2014, do TEDx Gyn, que foi realizado no Cine Goiânia Ouro. É um evento anual que reúne pensadores, empreendedores, artistas e ativistas para compartilhar idéias que fazem a diferença na construção de uma sociedade melhor, sob o lema “Idéias que merecem ser espalhadas” e o tema "Unidade na Diversidade". Oportunidade ímpar para mim, que estou há muito tempo afastada de grupos de estudos, discussões e filosóficos, ávida para retornar a este mundo de esperanças e realizações na busca do Bem comum. Evento com padrões e alcances internacionais, o TEDx Gyn foi extremamente agradável, fluido, rico e frutuoso. Várias personalidades locais e de fora, transmitiram a nós, da platéia, conhecimentos inovadores e renovados; refizemos valores e fomos provocados para termos olhares críticos e pensamentos positivos, criadores. Também renovadores, foram as paradinhas para as prosas com lanches super caprichados. Rafael Barbosa, engenheiro mecatrônico, falou sobre a necessidade da descentralização de recursos no atual sistema de produção capitalista e da força dos bancos, que dominam toda a rede produtiva, encarnando o verdadeiro poder hegemônico no país. Falou também, sobre as “plataformas de multiserviços e produtos”, empreendimento no qual ele está atuando e que conecta, em rede, diversos interesses e campos profissionais, facilitando o cotidiano e ampliando a qualidade de vida. Ativista política na Argentina, Pia Mancini, através de um telão, expôs a ferramenta Democracy OS, enquanto forma de articulação alternativa que substitui “vácuos de poder” no enfrentamento dos desafios que, segundo ela, são, principalmente, culturais, e não tecnológicos, já que os partidos não estão dispostos a mudar a forma como decidem. Pia Mancini falou sobre seu sistema político de 200 anos, apontando nele, a falta de representatividade pela falta de diálogo; um sistema no qual representantes apenas se representam e que não admite lugar para todos à mesa. Que “utiliza ferramentas de ontem, na solução de problemas de hoje”. Também, Pia ressaltou que o Democracy OS fundamenta decisões com a ampliação do conhecimento e da participação social. A pedagoga Simone Guedes, que também é escritora, recorreu a Nelson Mandela para despertar a crença e a possibilidade de mudanças quando se quer “mudar o mundo”, frisando a necessidade da atenção, do respeito, da valorização e do estabelecimento/fortalecimento de vínculos , nos processos educativos. Falou, com restrições, da terceirização da Educação, pela família e a sociedade, já que elas delegam à escola, a “missão” de formar boas pessoas. Ressaltou a importância do fortalecimento das famílias frente à atual realidade, que revela que no Brasil, apenas 25% dos pais acompanham a rotina escolar de seus filhos, enquanto que nos países ricos, esta taxa chega a 65% e lembrando o ideal, que é o fato de que, além de estar presente nas lições escolares, a família precisa promover a cooperação e o bom convívio familiar, que são os pilares da segurança emocional e do sucesso do indivíduo adulto. Citou Rubem Alves e evocou escola, família e sociedade juntas, para a construção de um mundo melhor. Tivemos a presença do educador físico, mestre em educação, prof. Altemir Dalpiez que falou com muita propriedade sobre os desafios da Educação no Brasil, lembrando que repetiu a antiga 6ª série, atual 7º ano, por três vezes. Ele nos contou: “_Eu suportava a escola e ela, a mim, até a 6ª série...”. Prof. Altemir valeu-se de sua trajetória escolar para nos fazer refletir sobre medos, descrenças, paixões, expectativas, frustrações, alegrias e descobertas, através do processo educativo que precisa ser reconhecido e tratado como processo vital e para a vida. Falou de seu crescimento e auto-afirmação através do futebol, na escola e depois, quando começou a liderar grupos futebolísticos e de como criou uma “escolinha”; de suas ricas experiências nesse campo, desde quando descobriu o “poder do apito”. Reclamou pelo fato de que a escola “tem uma parcela de culpa pelo medo que as pessoas têm de falar em público”. E também, da distância que existe entre a escola e a realidade, sendo que estas diferenças castram, com o tempo, a capacidade de os indivíduos “decifrarem os códigos” da vida na prática, ressaltando ser fundamental, o conhecimento da realidade, para a sua mudança. Criticou veementemente o sistema avaliativo escolar que não permite provas de consulta, dando vários exemplos de que “a sociedade faz consultas o tempo todo”, inclusive nas provas universitárias, evidenciando a interatividade e a capacidade crítica enquanto alavancas para as mudanças sociais que preconizamos, e ainda, evidenciando que “cabe ao professor provocar o espanto”, citando Rubem Alves. O ativista dos direitos humanos, Sr. Iradj Roberto, que também é mestre em engenharia eletrônica marcou presença provocando a todos defendendo a certeza de que “compomos uma única espécie: a humana”. Apontou como um grande desafio para a humanidade, “a visão do todo social”. Citou Gilberto Freire questionando a “cordialidade” entre negros e brancos e colocou na bandeira da luta pela igualdade racial, a chance de rompermos com as desigualdades que agridem e que nos saltam aos olhos, lembrando, que mesmo não tendo a pele negra (e que isto era um contrasenso para alguns) e sendo ativista deste Movimento, sabe que “não pode se apoderar das causas sendo um “analista branco”. O Sr. Iradj nos contou que deixou de acreditar no mito da democracia racial no Brasil, ao observar a ausência de negros nos lugares um pouco mais “refinados” em que estava, nas esferas de poder, nos campos de intelectuais. Citou, neste sentido, a lógica da anestesia pelo SUS, que privilegia mulheres brancas por entender que “as negras são mais fortes”. Myrella Brasil, bióloga, mestre em biologia molecular e pesquisadora na área de genética, “pazeou” em cima do tapete vermelho, como ela poderia dizer. Contou-nos sobre sua mudança com marido e filhos, para a cidade interiorana e espiritualística de Alto Paraíso em Goiás, pensando em ajudar e afirmando ter sido ajudada, pois saiu da rotina de stress em que vivia com sua família, sendo que a primeira lição foi a de aprender a “estar junto”, realmente, vivenciando a simplicidade e priorizando o “ser”, percebendo a “multiplicidade que vira unicidade”. Revelou que isto só foi possível quando percebeu que temos vários “eus” que brigam pela posse de uma unidade comum, no exercício do autoconhecimento. Para ela, esta é a forma de sermos seres íntegros, integrais, e não em pedaços. Salientou que precisamos entender o que “nossos eus” nos dizem, entender quem somos e principalmente, que precisamos ser mais humanos. Myrella Brasil afirmou que a gratidão é sempre uma forma de reverência ao criador e à Sua obra, e nessa linha, ressaltou a importância de buscarmos sempre o carinho, o respeito e o amor para conosco mesmos, sendo que para um mundo melhor, temos que, a cada dia, nos transformar também, em pessoas humanas melhores, mais conscientes das diversidades do universo e mais juntos, nessas diversidades. Francisco Carlos Gomes, mestre em psicologia social, falou conosco sobre o sentido da vida e o medo da morte, afirmando os sofrimentos físico, dimensional, social e espiritual da morte e citando Victor Frankel, que nos diz que, apenas uma faísca de sentido pode romper com um dos elementos da tríade trágica da vida: sofrimento, culpa e morte. Salientou que o trabalho com pessoas fragilizadas por terem “perdido o sentido da vida”, como por exemplo, um paciente de câncer, ou alguém que tenha sofrido uma desilusão amorosa grave ou uma perda muito significativa na vida, é preciso que se mude o campo de visão dessa pessoa para que ela tenha novas dimensões e alcance novos interesses, expectativas e situações de conforto. Dr. Francisco explicou que a idéia da morte pode nos salvar, pois pensar que vamos nos acabar a qualquer momento pode nos levar a realizar ações com sentido e a vivenciar mais e melhor o hoje, o agora. José Eduardo da Silva, assistente social, mestrando e ativista dos Direitos Humanos, falou do fato de que todos somos frutos de discursos que negam direitos através de violações maquiadas que favorecem quem viola os direitos, apesar das lutas contra o racismo e pela diversidade cultural, revelando exemplos próprios, como quando sua mãe, negra, fora tida como trabalhadora da própria casa, por um vendedor desconhecido, que lhe batera à porta, indagando pela patroa. José Eduardo falou da luta pelo reconhecimento quanto à discriminação racial não só de negros, mas também de índios, ciganos e de todas as minorias; falou da importância dos espaços institucionais para a força dos movimentos de defesa dos Direitos Humanos e citou Milton Campos para afirmar que tão importante quanto o Movimento Negro é o negro estar em movimento, pois que a luta é permanente. José Bosco Carvalho, publicitário, eletrotécnico, poeta e socioambientalista que se auto-intitulou como “biodesagradável”, traduziu a sustentabilidade em duas palavras que devem estar associadas: tolerância e respeito; falou sobre suas experiências neste campo de estudo, afirmando que o mais valioso aí, são atitudes simples e rotineiras, que infelizmente não estão sendo valorizadas. Marcela Uliano, bióloga e doutoranda do Instituto de Biofísica da UFRJ, falou sobre a maravilha que é o fato de “código da vida” estar contido em apenas 4 variáveis: "_Todo ser vivo vem de um único código da vida: ACTG”. Encantadora e impressionante. Além de sua narrativa, apresentou-nos um power point que foi uma viagem, sobre o Código da Vida e a luta por um mundo melhor. Marcou muito criticamente, três indicadores fundamentais básicos para o trabalho na construção deste “mundo melhor”. A redistribuição da renda, a educação sexual e o saneamento básico, afirmando que as iniciativas científicas devem ser respostas às mudanças sociais necessárias para esse mundo melhor, sendo estes dois, pilares básicos desta construção. Além do estudo, Marcela prega a divulgação do pensamento científico, que firma os valores em fatos e evidências e assim, pode contribuir na construção de um mundo melhor, mais igual e sem preconceitos. Também através de um telão, Pico Iyer, romancista inglês, filho de pais indianos, que cresceu na Califórnia e está radicado no Japão, figura enigmática em sua simplicidade, falou sobre a importância do “ir a lugar nenhum”, do “ficar quieto”. Falou de como perdemos contato conosco mesmos. Citou o consultor irlandês Kevin Kelly e os necessários “shabat da internet” e também, Allan Cohen e o “poder das idéias antigas”, garantindo e mostrando como, “em uma era de aceleração, nada é mais emocionante e necessário do que ir devagar”. Para finalizar, Dulce Magalhães, que é ‘tecelã’ da Rede UNIPAZ e uma das 100 Lideranças da Paz no Mundo pela Geneve for Peace Foundation; trabalha na elaboração de um Programa Global de Cultura de Paz, coordenado por Bill Clinton, ex presidente dos EUA, e nos chamou à espiritualidade nos contando uma história sufi, de peixes, e a busca cega que tinham, para falar sobre crenças, irrelevâncias e a verdade da realidade da vida, que é o que é, traçando-a como uma ponte entre o nascimento e a morte. Dulce concentrou a importância da vida na interface ser feliz e fazer feliz. Discorreu sobre os corações pesados e a leveza do “Ser”; sobre o perdão, que significa “abrir mão” de uma carga, um peso. Disse-nos que a sintonia básica da paz é a gentileza, lembrando que a palavra religião vem da palavra religare, o que quer dizer que a religião deve ser um meio, um canal, um elo de ligação com o Deus Criador, com o Universo. Finalizou agradecendo e dizendo-se feliz por perceber que “nós somos loucos, mas não somos poucos”. Além de contemplar-nos com as falas, o TEDx Gyn 2014 nos ofereceu um ambiente amoroso e informal, embora muito organizado. Sam Cyrous, que é psicólogo, professor e curador do Evento, está de parabéns, juntamente com Arthur da Paz, Flávia Moiana e toda a equipe, e claro, parabéns também as parcerias que contribuíram com o evento. Fico querendo um evento de participantes, em que possamos falar sobre o que ouvimos, contrapondo com o que vivenciamos. Seria lindo, também.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Carta Aberta à Draª. Walderez Loureiro, Mestra no Serviço Social

*Publicado no Jornal Diário da Manhã em 29/01/2015
À par de meus cumprimentos, utilizo-me deste meio para solicitar o posicionamento da senhora quanto ao pedido que protocolei no CRESS/GO-19ª Região, no ano que passou, conforme fui orientada pela administração do mesmo. Muito aguardei, após o telefonema que a senhora me fez, quando conversamos longamente e a senhora me garantiu que providências já estavam sendo tomadas. Um ano se passou. A nova gestão, eleita com apenas 20% dos votos válidos e por isto, ao meu ver, ilegitimamente, após novos reclames meus, chamou-me à sede do Cress/GO, onde meu filho primogênito e eu estivemos conversando por horas com a Presidente e a senhora Ana Maria Trindade. Ambas reiteraram a garantia das providências e a compreensão quanto à minha situação e solicitação. No entanto, nada aconteceu, ainda. Dirijo-me à senhora, diante do respeito e da admiração que nutro pela sua qualidade como profissional do Serviço Social. Nos idos tempos dos anos 80, na antiga UCG, falava-se muito no SER, sobre sua trajetória e intelectualidade. Acompanhei o trabalho da senhora quando retornou do doutorado na Europa e quando atuou junto à gestão do Prof. Pedro Wilson, na Prefeitura de Goiânia. Não sei se a senhora continua atuando na PUC. Embora o Cress tenha mudado a gestão, recorro à sua palavra, pois ainda acredito em palavra empenhada. Estranho muito o silêncio do Cress, que já não me responde. A Presidente do Cress trabalhou comigo quando coordenei o PAIF, na antiga Fumdec e conhece minha seriedade e dedicação no Serviço Social. Sendo profissional, não deveria recuar da própria palavra também, pois está ferindo nosso Código de Ética internamente, como se já não bastasse a negligência deste Conselho profissional quanto à divulgação, para as autoridades e a sociedade em geral, de informações sobre nossa atividade laboral e quanto à precariedade das condições de trabalho e dos serviços da Assistência Social nesta 19ª Região. Isto, mais me fortalece, no sentido de buscar a honra de nossos preceitos éticos, políticos e metodológicos, conforme nossos compromissos profissionais, pois é uma maneira de deflagrarmos uma luta para o entendimento da Reconceituação do Serviço Social em busca do respeito a uma Assistência Social fidedigna, coerente com nossas prerrogativas. Se sequer nos respeitarmos enquanto profissionais dentro de nossa própria categoria, é natural que não sejamos respeitados fora, nas instituições nas quais trabalhamos, com nossas chefias desavisadas e ignorantes de nosso papel e de nossas lutas históricas. Conto com a compreensão da senhora e a atitude, no sentido do encaminhamento de minha solicitação, com o cumprimento das palavras que a mim foram empenhadas. Sem mais, no momento, agradeço a atenção desejando-lhe um 2015 repleto de bençãos realizadoras. Atenciosamente.

Por entre pensamentos grandiosos, pedantismos e viscosidades

*Publicado no jornal Diário da Manhã em 10/01/15

Ter estudado em bons colégios católicos, me garantiu boa formação cristã e fui bem despertada para o interesse no conhecimento. Em casa, desde pequena, vejo meus pais lendo jornais, livros, revistas, fazendo palavras cruzadas, conversando sobre diferentes assuntos e sendo solidários às causas que lhes chegam, sempre participando das questões em voga. Quando pequena e até certo tempo, tive alguma dificuldade com questões relativas à localização/espaço. Também tive a fama de ser lerda, polêmica, briguenta. Outro dia, no trabalho, reencontrei uma colega de universidade que me indagou se continuo “doidinha”; muitas pessoas na faculdade me acharam doidinha, apenas porque eu desafiava e aceitava desafios àcêrca dos pensamentos. Agora, pasmem: outro dia, eu chegava ao caps, meu local de trabalho, quando também chegavam três motoqueiros muito barulhentos, sendo que um deles acelerou seu motorzão várias vezes, na porta do estabelecimento, depois de quase me atropelar na calçada, o que me obrigou a entrar reclamando, por entre eles e chamando a atenção dos mesmos, diante de tanta balbúrdia. Haviam outros “moços” do porte deles, lá na entrada, aos que eles se juntaram. Eles galhofaram da “represália”, concordando comigo. Pois, pois: Ao adentrar meu recinto de trabalho, reencontrei ali, conversando com minha diretora, a colega assistente social, que já era policial à època da universidade. Soube que ela estava ali, com os “moços” barulhentos lá de fora, para entenderem melhor o serviço realizado pelo Caps AD, já que a cidade deles, na região metropolitana de Goiânia, estaria implantando um; então, entendi que todos eles seriam policiais e que ali estavam, à paisana, para uma atividade meio que “extra”... Por fim, quem os recebeu e conversou com eles, de pé, ali, na entrada, pelo lado de fora mesmo, em decorrẽncia da falta de espaço, fui eu, em um papo descontraído e muitíssimo proveitoso. Cumprimentei a todos pelo desprendimento para o conhecimento sobre o que é o trabalho psicosocial em saúde mental, e à colega, pela iniciativa, que deveria ser mais sistemática e institucionalizada, para estudos e atividades comuns. Foi uma experiência inusitada, como muita coisa, em minha vida. Estranhamente, também sempre fui considerada boazinha, pacífica, serena. Intelectual. Recentemente passei a ser considerada engraçada. Engraçado, isto. Comigo mesma, sempre que sentia-me sutilmente oprimida, entalada, fora de lugar, fora do eixo, ia tentando me adequar, sem me descaracterizar, claro; e ainda é assim. Nunca me importei com o que pensam ou dizem sobre mim, embora sempre preste muita atenção em mim e nas pessoas. Já falei mais de mim, quando perguntavam. Hoje me cansei das estorinhas e falo bem menos; quase nada. Também sou muito avessa a falar de pessoas, de modo fofoquento, embora goste de ler, eventualmente, notícias da vida alheia. O ser humano me interessa. Li muito e conversei muito também. Nada muito direcionado, nada de buscas específicas, tudo conforme as possibilidades. No início do ano 2000 já havia publicado cartas e artigos, em jornais, sobre assuntos de meu interesse, geralmente voltados às questões relativas às políticas públicas; questões socioambientais. Só hoje entendo a razão dos vômitos e do mau estar que me causaram escrever alguns artigos, pois vejo que estão na contramão das idéias reinantes. Andar na contramão é sempre perigoso, mesmo no campo das idéias. Nunca me importei de ser chamada de doidinha, mas o boazinha me incomodou muito, durante um tempo em que observei se minha bondade era para garantir aprovações e/ou ganhos e comecei a me achar meio malvada, por não me dispor a trocar bondades, algumas vezes, neste mundo de meu Deus. Também percebi que muitas vezes deixava de ousar, como quando criança, quando eu via que a ousadia de minha irmã mais velha lhe rendia alguma represália. Comecei a tomar remédio controlado muito cedo, depois de um acidente no qual minha cabeça levou uma pancada. Ao ficar noiva, larguei-os por conta própria; detestava remédios. E também, as injeções para anemia. No ano passado, depois de uma crise longa de fibromialgia, sem médico reumatologista, nem ortopedista, nem acupunturista e nem neurologista, encontrei um psiquiatra que me diagnosticou com bipolaridade; estava muita mal à época e não me importei com o diagnóstico, até brinquei, dizendo que até a Terra é bipolar e justificando com minhas múltiplas tarefas e funções e com o fato de que minha vida tem sido muito instável, nas últmas décadas. Comentei que já sabia, mas que sempre conseguia manter-me no polo positivo, mas que naquele momento, não estava dando. Eu estava muito dorminhoca, chorona e agressiva, nas palavras. Posteriormente, um primo psiquiatra disse-me, quando fui à clínica dele visitar um “impaciente” querido, lá do meu trabalho, que eu seria hexapolar, mas que eu estava ótima... Rimos um bocado. Gostei muitíssimo, dele. Esse primeiro psiquiatra que citei, deixou de atender por estar convalescendo, após ter sofrido um acidente ciclístico terrível, onde batera a cabeça. Passei por outros e outras medicações que não deram certo e alguns neurologistas, até que um me pediu um mapa cerebral. Embora tenha dado um resultado muito insignificante para os médicos, todos me receitam medicamentos com os quais não me adapto. Nenhum explica realmente o resultado do exame. Estive estudando os termos que encontrei no exame e comparando com os resultados que tive, na infância. Voltei a me interessar por leitura, com isto, mas até compreender que teria uma sobrevida de cinco anos, aconteceu. Pensei nos parentes próximos, de saúde mental comprometida e em meus pais, que são primos. Compreendi o valor do Ferro para o cérebro, e que talvez, eu tomasse remédio para anemia na infância, por recomendação psiquiátrica... Desisti de entender os exames e de tomar os remédios, por hora; estou conseguindo controlar um pouco, os “gatilhos” que desencadeiam os sintomas da fibromialgia, que é o que incomoda. Fiquei mais de mês em terapia, com psicóloga. Nesse processo, confirmei que realmente, as luzes do belíssimo show de Paul McCartney tiveram influência no comportamento que tive, nos dias que se seguiram. Li um pouco sobre auras gástrica e extática e pensei sobre os soluços que tenho, em determinadas situações; e sobre as tonturas, a quietude e sobre o fato de ter ficado enxergando em preto e branco, há três anos, sob forte stress. Sobre os momentos e experiências que eu considerava como “espirituais”. Sobre o meu faro fino, a minha oralidade e a extrema gratidão que sinto, pelo que sou grata. Percebi em meu comportamento, um certo pedantismo, a viscosidade, a querelância. Admiti que sou faladora e que às vezes adquiro ares de arrogância. Tenho achado tudo muito interessante. Mas não quero deixar de lado minhas “idéias grandiosas”. Sinto por ter parado a medicação, mas não tolero muito os efeitos colaterais, ainda que os remédios me ajudem, inicialmente. Agora, novamente conseguindo organizar as ideias, não trabalho mais com saúde mental. Entendi, certa manhã, que deveria obedecer a outra parte que os médicos me recomendam e agora trabalho com turismo, esportes e lazer. Antes, eu dizia que me sentia muito em casa e agora, continuo assim. Acho, na verdade, que sou meio cigana. Feliz Ano Novo para nós!!!

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Resposta à Presidente Dilma Roussef


*Artigo publicado no jornal Diário da Manhã em 29/12/2013


Recentemente, a senhora disse que "cabe a todos nós, servidores públicos, responder essas vozes" que clamam por soluções para as mazelas de nosso país e por qualidade nos serviços públicos.
Sou servidora pública desde 1990 e há 4 anos sou concursada.Tive a oportunidade de trabalhar muito com o PT e conheci bem de perto as teorias que me convenceram a acreditar nos programas do seu partido. Fui militante. Sai por não ver acontecer nada do que era a proposta inicial. Já no primeiro discurso de posse de Lula, fiquei desapontada e aos poucos percebi que estava acontecendo com o PT, o que eu previ em 1993. Aqui estamos.
Luto muito para defender o que aprendi quando estive no PT, não desistirei nunca!
Então, peço à V. Excelência, que se atente às mudanças de concepção que se fazem necessárias nesta era de transformações socioeconômicas.
O Prof. Márcio Pochmann, doutor em Ciência Econômica, já disse que “continuamos discutindo as condições de trabalho como herdeiros do capitalismo do século XX”, afirmando que “é preciso considerar que estamos diante de uma nova possibilidade técnica de organização do trabalho, com jornadas diárias menores e ingresso no mercado de trabalho somente aos 25 anos”, considerando que “antes, a pessoa deve ser totalmente integrada a uma educação que deve ser recebida ao longo de toda sua vida, diante da complexidade da sociedade contemporânea”.
Chega de não ver que a juventude serve de mão de obra barata e ocupa vagas que serviriam para chefes de família e que o baixo poder de compra salarial remete famílias inteiras ao mercado de trabalho, aumentando o exército de reserva. E que as famílias, quase nunca conseguem garantir aos seus membros, saúde, educação, lazer, moradia e transporte com dignidade mínima, nos serviços públicos, embora os tributos fiscais destinados a garantir estes direitos básicos, onerem mercado e sociedade. O trabalho na juventude é, estatisticamente, motivo de evasão escolar, e esta é a causa da falta de qualificação profissional no mercado.
Quero aqui, discordar da forma com que é tratada a questão do trabalho. Da idéia purista de que “o trabalho dignifica o homem”, mas que não pondera que o trabalho não é uma exclusividade material ou física, considerando que ele também se resulta de atividade afetiva (emocional) e intelectual (cognitiva).
Na verdade, acredito que se pensarmos bem, não permitiremos a entrada de pessoas em formação, no mercado de trabalho, pois este é um campo perigoso, pernicioso mesmo, repleto de maus costumes e de exploração. Além do mais, ao adentrar o mercado, o (a) jovem passa a ser responsável por si, a ir e vir por conta própria; em contrapartida, tem menos tempo para o convívio familiar, para os estudos, o lazer; adquire maus hábitos pessoais e sociais.
Também não comungo das maravilhas das creches e escolas integrais. Estas, devem valer como opção, não condição ou ideal. É a família que deve criar seus filhos, não o Estado. A prerrogativa das escolas integrais e creches é parte da idéia desenvolvimentista, e deveria ter sido efetivada nos idos dos anos 70, mas já não servem para este século, quando a desacelaração do tempo e a convivência familiar e social, além dos hábitos sociais, exigem novos comportamentos;
Quando pensamos em saúde, apenas reclamamos sobre as condições para o tratamento de doenças, raramente pensando ou interferindo para que a doença não acometa. Bertrand Russel, em O Elogio ao Ócio, afirma categoricamente, que “a moral do trabalho é uma moral de escravos, e o mundo moderno não precisa de escravidão”. Russel, nos anos de 1935, já defendia quatro horas diárias de trabalho e dizia que só assim “haverá felicidade e alegria de viver, em vez de nervos em frangalhos, fadiga e má digestão”. Neste caso, a previdência social pode contribuir com dados sobre idades e problemas de saúde que demandam afastamentos remunerados e aposentadorias precoces. Costumo dizer que o mercado de trabalho estraga e o INSS paga...
O Brasil precisa pensar no lazer de sua população, garantindo por exemplo, o funcionamento de parques públicos em turno noturno, durante a semana, e 24 horas nos finais de semana, com a devida segurança e espaços para alimentação saudável e recreação completa (arvorismo, jogos de vôlei, squash, basquete, tênis de mesa etc. e também concertos, shows de arte, biblioteca, cafenet, clubes de leitura, do vídeo, videoteca e oficinas permanentes diversas, como: de arte, de produção, de beleza e saúde, educativas para o meio ambiente, as vocações, as relações, o trabalho voluntário), para pessoas que cumprem turnos irregulares de trabalho, considerando que o setor privado, investe em lazer e entretenimento, mas não se preocupa com os efeitos do que oferecem e trabalham 24 horas por dia. São bares, boates, lan houses, festas psicodélicas, postos de conveniência. A escala é industrial. No setor público, a escala é artesanal, e os resultados, podemos ver: violência nas noites, toxicomanias, insatisfação pessoal, egocentrismo e perda de vários valores humanos coletivos essenciais, em uma sociedade fútil, com apego em valores efêmeros e sem preocupação com a saúde e com a vida.
É fundamental constituirmos um Movimento junto a trabalhadores (as), patroas e patrões, em uma ação genuinamente voltada para o bem comum, os ideais coletivos e a emancipação do homem, através do investimento na produção do pensamento coletivo acerca das questões humanas, associando a prática cotidiana aos ideais teóricos, através de estratégias da administração de empresa; que de forma inteligente, se destine a contribuir com um mundo de vidas mais felizes, com significados positivos.
Na pauta deste Movimento, questões como diminuição de jornada de trabalho, direitos e deveres trabalhistas e patronais, entre outros temas relevantes que afetem diretamente a classe trabalhadora e a sociedade em geral, requalificando postos de trabalho e refletindo sobre condições e modernização do trabalho, no sentido de ampliarmos o grau de satisfação de patrões, trabalhadores e usuários dos serviços e produtos oferecidos, pois não é apenas o setor público que carece de mudanças e seriedade em sua condução; a realidade econômica mundial nos remete a obrigação de buscarmos novos rumos para o consumo e a produção de bens e serviços, que garantam padrão de qualidade e sustentabilidade socioambiental.
A diversidade de opções do mercado exige competitividade. Por outro lado, administradores modernos indicam a visão de futuro como sendo quesito para qualquer empreendimento de sucesso, além do investimento no capital humano, com treinamentos e assistência aos funcionários, que acabam melhorando a produtividade, buscando realmente a inovação de alguns valores, regras e comportamentos, tanto no mercado quanto na sociedade como um todo. A consolidação dos direitos humanos só se dará com novas relações que não indiquem explorado e explorador, na superação da visão mercadológica do arcaico capitalismo selvagem, onde tudo é mercadoria, onde o lucro e a vantagem são premissas básicas.
É tempo de investirmos em uma discussão fundamental, de acordo com Freud, para a nossa felicidade, enquanto humanidade: a nossa sexualidade. O aborto, os inúmeros e até os ignorados estupros que sabemos que existem, em nosso país, a violência doméstica, a iniciação sexual e gravidez precoce. Ora, se nossa sociedade joga feto/bebê vivo no lixo, ou se mata antes de jogar, isto não é problema de foro íntimo, apenas. Se nossos homens (moços, até) se comportam como bestas, como animais rupestres, e estupram, violentam, desacolhem suas crias (mesmo que sejam frutos de relação “extemporânea”…), isto é uma questão de saúde mental, cultural e de educação e de segurança… É sim, uma questão de Estado. Ora, se mulher não quer filho, se preserve; existem vários meios. Não tem que jogar fora – de uma vez por todas, é o que penso. Nossa sociedade precisa entender a lei da ação e da reação.
Bertrand Russel, em O Elogio ao Ócio, apregoa que “é necessária uma reforma educacional radical para que o conhecimento, o aprendizado e o saber sejam valorizados em si mesmo e para que o ócio, a diversão e o lazer substituam o trabalho como atividades dignificantes”.
Nossa sociedade precisa parar de educar e de viver para satisfazer o mercado. Precisa pensar a vida que vive e a vida que quer, trabalhando neste sentido. O setor público precisa parar de governar para o mercado. Desenvolver políticas educacionais para além da escola formal, utilizando-se para isto, da Assistência Social, por exemplo, que deve fazer mais do que oferecer bolsas de auxílio. Precisa de uma Educação que alcance crianças e jovens e adultos, para uma sociedade que avance em sentido contrário ao da barbárie que temos visto.
O planejamento familiar, o estímulo aos bons hábitos da alimentação saudável, da prática diária de atividades físicas e a preocupação com o meio ambiente, retomando as discussões e atividades da antiga Agenda 21, são premissas básicas para as mudanças que o Brasil enseja.
Precisamos de investimentos em pesquisas nos campos da biologia, da tecnologia e também da sociologia e demais ciências humanas, nas quais quase nada, ou bem pouco, se investe.
Trabalho com foco nestas questões após estudos, desde 2000. Como já tentei muito argumentar estas questões nos espaços do PT, do PMDB e até do PSDB, em vão, e por constatar que a cada dia, são mais pertinentes, solicito a atenção de Vossa Excelência.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

A luta da Saúde, o Dia 18 de Maio e a politicagem que enlouquece

   *Artigo publicado no jornal "Diário da Manhã" em 16.05.2014


Sei bem pouco da luta da Saúde em Goiás, mas sempre respeitei o movimento, que conheci há mais de 20 anos, quando comecei a militar em partido político. Havia uma vanguarda realmente ativa, na Saúde, em Goiás. Eis o problema das vanguardas: resultam das desigualdades e das separações que existem no todo social, formadas por pessoas que lideram modelos intelectuais e experiências cotidianas acima ou à frente de um conjunto maior de pessoas, quase sempre sem compreensão da totalidade. E quando elas desaparecem, os movimentos que representam, muitas vezes, se enfraquecem.
Não quero pensar o Brasil à época do INPS e fazer aqui, a defesa do SUS. Mas acompanhei bem a luta pela Reforma Psiquiátrica e não tenho dúvida de que defendo que o poder público invista em uma Rede de Atendimento Psicosocial própria e não em “comunidades terapêuticas”, clínicas e hospitais psiquiátricos conveniados, que promovam qualquer tipo de exclusão.
Talvez por ter sido criada muito próxima à parentes e amigos da família, em situação de sofrimento mental e por ter, desde muito menina, frequentando estabelecimentos para reabilitação e asilo, junto à minha mãe, visitando conhecidos e desconhecidos e ver que esta convivência depende muito mais de quem se diz “normal”, por exemplo; ou por saber de casos de clínicas e/ou centros de recuperação que excedem em medicamentos e usam de medidas indignas e desumananizantes, ou ainda, diante dos tantos casos de “recaídas” e surtos, que vemos e/ou ficamos sabendo, entre pessoas que já passaram por internações. Seja por problema genético ou adquirido, temporário ou crônico.
Este é um assunto tão amplo e tão pouco discutido. Principalmente sob o viés cultural. Da cultura que não tolera o diferente, o singular. Da cultura que restringe a vida à sobrevivência em selvas de pedra que não nos garantem os alimentos que causam bom humor, energia vital, anticorpos de defesa; que não nos garante um ir e vir pacífico, trabalhos prazerosos; que nos condena a relações rápidas, superficiais, egocentricas, inseguras. De uma cultura que nos impele a desejar e a querer amar e cuidar apenas de lindos e domesticáveis seres.
A saúde em geral e mais especificamente, a mental, e o sofrimento mental, relacionam-se com o modo de vida, por isso, dependem em muito,.da cultura.
A cultura que encarcerava e retirava de circulação, pessoas “improdutivas” ou que não se adequavam a determinados padrões e regras e as privava de direitos humanos básicos, depois de muita luta e questionamentos, foi compreendida como desprezível.
No final dos anos de 1970, o movimento de luta pela saúde mental no Brasil tomou força e ganhou visibilidade, mas somente no início deste século, em 2001, a Lei nº 10.216 de 6 de abril de 2001 - da Reforma Psiquiátrica, foi aprovada, após muita luta de trabalhadores, usuários e familiares de usuários, com denúncias, conferências, pesquisas, congressos e mobilizações junto ao poder público e setores da sociedade.
No entanto, na última década quase nada tem sido feito em favor da saúde mental em Goiás, e impressiona o poder da antiga “indústria da loucura”. Não me importa se alguém ou algum grupo quer ganhar dinheiro. O que indigna é a falta de responsabilidade socioeconômica do nosso setor empresarial, no mínimo; a preguiça de refletir, de ter que fazer diferente, de ter criatividade, buscar novas possibilidades. E a desfaçatez do poder público, ora esculhambado exatamente por não defender e garantir qualidade nos serviços que presta, financiado por cidadãos e cidadãs, em sua burocracia, ineficácia e em seus coluios, com entes privados perniciosos.
Ora, precisamos pensar a saúde mental em Goiânia, desde os reflexos da falta dela, no trânsito, por exemplo; na violência que nos assola se revelando em crimes diversos e horrendos e na permanência de pessoas em situação de rua, quando a secretaria municipal responsável por acolher e promover, discrimina, exclui e avassala, até o cotidiano da busca dela, quando a secretaria municipal responsável por ela, não oferece os recursos necessários ao seu pleno funcionamento, que depende de insumos e medicamentos, pessoal capacitado e em número suficiente, espaços adequados aos serviços oferecidos e fundamentalmente, articulação com outras secretarias e setores da sociedade, para esclarecimentos quanto à política de saúde mental vigente e ações em rede, para o atendimento das pessoas, de forma integral e não pontual ou com foco na doença/problema.
As interfaces entre a saúde, educação, asistência social, moradia, o trabalho e o lazer precisam ser compreendidas e trabalhadas pelo poder público, para a efetividade da Reforma Psiquiátrica.
A saúde, reitero, depende do que se come, do que se bebe, de sono satisfatório; depende das relações sociais e de trabalho, do lazer, da moradia digna, da educação que promove e liberta. Depende, muitas vezes, de acompanhamento clínico específico, de compreensão multifatorial e sempre, de cuidados multisetoriais.
O mercado precisa se atentar para isto e ampliar a produção para a cultura da vida, da saúde. A sociedade precisa parar para entender verdadeiramente o que se passa com ela, deixar de ser alienada.
No Dia 18/05, comemora-se o Dia de Luta Antimanicomial e chamamos a atenção para o fato de que tanto nossas autoridades políticas como jurídicas e a sociedade, ainda estão de fora desta luta, embora a Reforma Psiquiátrica seja Lei e prerrogativa do SUS.
A Associação de Usuários da Saúde Mental de Goiás, juntamente com o Fórum Goiano de Saúde Mental, em parceria com trabalhadores da Prefeitura de Goiânia, realizou nesta semana, de 12 a 15/05, a Semana de Luta Antimanicomial, no Espaço Sonhus do Colégio Lyceu, com diversas atrações artísticas como Miquéias Paz, Milla Tuli, Duo Goiás, Projeto Mazombo além de apresentações teatrais, oficinas, rodas de conversa e exibição de vídeos. Ao final, grande passeata.
Seria inintendível para Goiânia, a solução dada pelo prefeito, para o descredenciamento de leitos, pelos hospitais psiquiátricos conveniados com a Prefeitura, se já não soubéssemos da torpeza e mediocridade de nosso mercado, quando se encosta no poder público para levar vantagem e este é fraco, inconsequente, insustentável e ainda, favorece sempre, ao setor privado.
Ora, os CAPS precisam funcionar como estão previstos, em quantidade e qualidade. Toda a rede pública está com suas unidades comprometidas, em seus funcionamentos, seja por problemas técnicos com pessoal ou por suas estruturas físicas. Sequer atingimos metas de vacinação, em Goiânia. Mas o prefeito mais do que dobrou, diante de pressãozinha do mercado de saúde, o valor per capta do que é pago, pelo atendimento nas clínicas particulares. E aonde estava este dinheiro? É a pergunta que não quer calar.
Fica difícil trabalharmos a contento. Trabalhadores e usuários estão revoltosos com tal atitude. A sociedade fecha os olhos e a boca, diante da situação. Mal percebe que o problema da saúde mental não é “coisa de loucos” (como se loucos fossem desprezíveis), mas de pessoas com depressão, ansiedade, bipolaridade, esquisofrenia, autismo, déficit de atenção... E de pessoas que convivem diariamente com esta pessoas, lembrando que qualquer pessoa está sujeita a problemas com saúde mental; não existe vacina, mas controle..
É como bem disse o Sr. Valterson, da Associação de Usuários da Saúde Mental em Goiânia, não queremos um atendimento de internação melhor. Queremos um sistema de saúde público e de qualidade. Ele citou a modernização do telefone para ilustrar este entendimento: criou-se o smartfone, mas a função básica do telefone, é a mesma.
Não queremos segregação, intolerância. Precisamos de uma sociedade que tenha mais tempo para a saúde, trabalho dignificante, relações sadias. Queremos uma sociedade que respeite diferenças, individualidades; que cultive a tolerância com limites e opções pessoais. Que estimule o protagonismo e a promoção social, o auto-conhecimento, a auto-realização, a construção de um mundo melhor, justo, solidário.
Particularmente, admito que algumas pessoas optam pelo serviço hospitalocêntrico, para o próprio tratamento ou de parente com sofrimento mental e respeito, claro. É interessante oferecermos também, esta opção, ainda. Mas no poder público, a Lei vigente ordena investimento efetivo no SUS, e não, aparente.